Por Monique Lopes
10/06/2012
Numa época em que se discute as mudanças da nossa relação
com a leitura, ante a gradativa, porém crescente, digitalização de livros e
revistas, o Brasil ainda tem uma questão a resolver: o acesso ao livro. O
governo federal tem investido na missão de implantar em cada cidade do Brasil
uma biblioteca pública. Segundo a Fundação Biblioteca Nacional, atualmente são
cerca de 20 municípios sem uma. Dados do Conselho Federal de Biblioteconomia
dão conta de que, em 2010, havia no país uma biblioteca pública para cada 33
mil habitantes. É pouco – na Argentina, na mesma época, era uma para cada 17
mil –, mas o empenho em aumentar esse número mostra que o futuro das
bibliotecas tradicionais, apesar da atenção cada vez maior dada às virtuais,
não é incerto.
Mônica Rizzo, coordenadora do Centro de Referência e Difusão
da Biblioteca Nacional (BN), endossa esse discurso: “Eu não consigo visualizar
hoje, com todos os meios de que nós dispomos, substitutos ao atendimento que as
bibliotecas tradicionais oferecem, o apoio, o acompanhamento à pesquisa. A
gente pode substituir o papel pelo digital, mas não pode substituir esse tipo
de apoio”, avalia. A BN é a maior biblioteca da América Latina e a sétima maior
do mundo, com um acervo de nove milhões de peças, dentre as quais cerca de 25
mil digitalizadas. Ficam de fora dessa conta os fascículos e periódicos, que
fazem parte do projeto de uma hemeroteca digital ainda em andamento, esclarece
Rizzo. Em 2011, esse acervo digital obteve 20 milhões de acesso. As contas do
primeiro semestre de 2012, em aberto, já somam mais de 16 milhões. Ainda assim,
a coordenadora afirma que o número de visitas à Biblioteca não têm diminuído em
sua totalidade, mas apenas em determinados setores, como, por exemplo, o de
referência, onde a biblioteca disponibiliza dicionários, enciclopédias e outras
obras de consulta rápida.
“Hoje em dia, é muito fácil você acessar dados básicos, que
é o que você costuma consultar num setor de referência, por meio da internet,
que nisso tem se capacitado de forma bastante eficaz. Mas não houve um
decréscimo expressivo nos últimos anos, porque a quantidade de acervo
digitalizado versus acervo não digitalizado é muito grande pro lado do
impresso”, diz. A digitalização de obras na Biblioteca Nacional segue um
padrão: dá-se prioridade às obras publicadas no Brasil desde o século XIX, às
obras raras e aos materiais mais consultados, como forma inclusive de preservar
os originais. Além disso, Rizzo explica que não podem ser digitalizadas obras
que ainda estejam sob direitos autorais.
Luiz Atílio Vicentini, coordenador do Sistema de Bibliotecas
da Unicamp (SBU), que tem hoje em seu acervo digital cerca de 302 mil e-books,
também levanta essa questão: “Nós não podemos pegar qualquer livro, digitalizar
e disponibilizar para os alunos. Nesses casos, dependemos das editoras lançarem
a obra também em formato e-book”, explica. Segundo Vicentini, as obras mais
lançadas nesse formato pelas editoras são da área de exatas, o que faz com que,
consequentemente, os estudantes dessa área sejam os que mais procuram pelo
acervo digital da Unicamp. O SBU é formado por 27 bibliotecas com um acervo de
mais de um milhão de livros. E apesar de não disponibilizar todo o seu acervo
em formato digital, oferece hoje a maioria de seus serviços, como reserva de
obras e renovação de empréstimo, pela internet. “As bibliotecas precisam se
reinventar no atendimento”, afirma Vicentini.
O conceito de biblioteca virtual tem sido bastante
disseminado no ambiente universitário. O acervo digital da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) é disponibilizado aos alunos na forma de cinco
bibliotecas virtuais: Biblioteca Virtual de Música, de Ciências Sociais, de
Economia, de Estudos Culturais e de Literatura. A Universidade de São Paulo
(USP), além das bibliotecas de acesso exclusivo da comunidade universitária,
dispõe de outros três portais de acesso livre a revistas, teses e dissertações,
e é responsável também pela Brasiliana USP, que conta com um acervo de três mil
livros, periódicos e obras de referência para consulta e download. Já a
Universidade Estadual Paulista (Unesp) inaugurou em maio deste ano sua
Biblioteca Digital, parceria da instituição com o Arquivo Público do Estado de
São Paulo, a própria Biblioteca Nacional e a Biblioteca Mário de Andrade, que
assim permite acesso não só ao acervo das bibliotecas da Unesp como também a
materiais pertencentes a essas instituições públicas.
Nessa corrida tecnológica, as bibliotecas universitárias,
segundo Vicentini, têm uma vantagem em relação às públicas: investimento.
Adriana Cybele Ferrarri, coordenadora da Unidade de Bibliotecas e Leitura da
Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo e idealizadora da Biblioteca São
Paulo (BSP), concorda: “Nas universidades, você não precisa provar para o
reitor que a biblioteca é importante. Quando entrei no governo, a área de
biblioteca e leitura não estava no mesmo patamar que museus e teatros, por
exemplo. Mas, por outro lado, em comparação a seis anos atrás (quando passou a
integrar a equipe da Secretaria), estamos vivendo um momento muito especial
nessa área, em questão de aporte financeiro”.
A BSP foi inaugurada em fevereiro de 2010 no Parque da
Juventude, área em que antes funcionava o Complexo Penitenciário Carandiru. Em
2011, a Biblioteca teve 321 mil visitantes e possui hoje um acervo de cerca de
40 mil obras. Ferrari explica que a intenção não é, mesmo, possuir um acervo
gigantesco. Em palestra recente no curso de biblioteconomia da PUC-Campinas,
ela tocou num ponto que compete a toda biblioteca, em especial, às bibliotecas
públicas tradicionais: o acervo envelhecido. Segundo ela, não adianta dispor de
um acervo de milhões de livros “velhos” e que não chamem a atenção do leitor.
“Não estou dizendo para por fogo em obra rara”, brinca. “Mas o acervo das
bibliotecas públicas raramente recebe uma renovação com títulos atuais”,
afirma. No caso das bibliotecas virtuais, a disponibilização de obras da
atualidade esbarra, como já mencionado por Rizzo e Vicentini, na questão dos
direitos autorais.
A Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, é a segunda
maior do país e possui um acervo de 3,3 milhões de itens, entre livros,
periódicos, mapas, multimeios e outros materiais, dos quais 200 livros raros e
quatro mil imagens e fotografias estão digitalizados e disponíveis na seção "Tesouros
da Cidade". Contemplada com o financiamento do Program for Latin American
Libraries and Archives, do David Rockfeller Center for Latin Studies da
Universidade de Harvard, ela está dando continuidade à digitalização de seu
acervo, com a catalogação e disponibilização em base de dados de mais 120
livros da coleção de obras raras e especiais.
Já o Real Gabinete Português de Leitura, biblioteca pública
desde 1900, com acervo atual da ordem de 350 mil volumes, não possui livros
digitalizados, apenas manuscritos avulsos, códices e Atas dos Colóquios do Polo
de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras. Mônica Rizzo, da BN, acredita que
a digitalização não seja ainda o caminho para todas as bibliotecas.
“Principalmente nesse primeiro momento, porque estamos falando de um país que
tem ainda muitas disparidades na área de tecnologia. Mas possivelmente num
futuro, talvez nos próximos 30 ou 50 anos, a tendência é que a maior parte das
coleções em domínio público já esteja disponível em meio digital, o que será muito
bom pra todos. Mas as bibliotecas (tradicionais) permanecerão”, reforça.
Adriana Ferrari endossa: “Essa ideia de que com a TV o rádio iria acabar, com o
cinema o teatro iria acabar e assim por diante já está ultrapassada. Nas
bibliotecas, vão existir livros (em papel) e livros digitais”.